Governador supera fase defensiva, coloca contas do GDF no azul e ataca áreas prioritárias como saúde, transportes, educação e segurança; “A anarquia administrativa acabou”, diz ele; “abrimos 14 mil auditorias sobre obscuridades do passado, temos um plano de ação e avançamos para uma capital mais humana e sem miséria”; como se sabe, promessa é dívida.
Marco Damiani _247
O governador Agnelo Queiroz não usa nenhuma coroa de espinhos, mas muitas vezes ele tem a nítida de sensação de ainda estar pagando por pecados alheios. “Assumi um governo que estava inteiramente desorganizado, em verdadeira anarquia administrativa”, disse ele ao 247, na sede do GDF em Águas Claras. “Só agora a população começa a perceber que nosso primeiro ano foi usado no trabalho de arrumar a casa, mas os resultados já estão aparecendo. Este é um governo de reconstrução e superação”.
Na tarde da terça-feira 20, à cabeceira da mesa de reuniões, ali estava um político que responderia por quase duas horas sobre sua gestão na Brasília cidade-estado de 2,6 milhões de habitantes. “Em 52 anos, temos uma população que São Paulo e Rio levaram mais de 400 anos para constituir. Nada é simples aqui”.
A arrumação interna da casa, à qual ele se referiu logo aos primeiros minutos da entrevista, resulta, até aqui, na abertura de nada menos que 14 mil sindicâncias e auditorias administrativas, para a apuração de procedimentos obscuros realizados pelos antecessores. Noutro plano, trezentas concessões para construções privadas em áreas públicas, firmadas nos últimos anos, foram suspensas e estão sob investigação. Uma operação de empréstimo de R$ 200 milhões a cooperativas de transportes, pelo BRB (Banco Regional de Brasília), foi lançada na coluna de provisionamento de perdas do banco e igualmente virou mais um caso, dos grandes, entregue à polícia. Outro ainda maior, de R$ 750 milhões em benefícios para empresas da área de tecnologia, vai sendo esmiuçado ponto a ponto, numa briga que promete ir longe. Antes inadimplentes por parte do GDF, em razão de falta de prestação de contas e contrapartidas financeiras, nada menos que 90 convênios com o governo federal e autarquias foram colocados em dia e voltaram a ser praticados. Depois de dois anos com as contas no vermelho, chegou-se ao final de 2011 com superávit primário. “Se eu não estancasse a sangria, a responsabilidade por deixar tudo como estava seria só minha”, resume Agnelo.
NOME LIMPO NA PRAÇA
Nesta toada de aperta daqui, arrocha de lá, o certo é que a administração do GDF limpou o próprio nome nos cadastros de órgãos de fiscalização e controle. Seria como, se fosse pessoa física, saísse do Serasa. Com isso, a administração de Agnelo já está pronta para assumir novos financiamentos com órgãos de fomento como o BNDES. Recursos para a recuperação da capacidade de investir da Companhia Energética de Brasília (CEB), por exemplo, já estão sendo negociados com base na nova situação de adimplência.
“Vamos investir mais de R$ 1 bilhão em obras e serviços públicos até o final do ano”, anuncia o governador. Desse dinheiro, explica ele, perto de R$ 900 milhões sairão diretamente dos cofres do governo do Distrito Federal. O restante virá por meio de aportes do governo federal em programas específicos. “Isso é um êxito”, admite Agnelo, que transmitiu a sensação de estar aliviado por alcançar, depois de longas chuvas e trovoadas, uma situação de normalidade.
MEIA DÚZIA DE INIMIGOS DO CRESCIMENTO
“Encerramos um ciclo”, desabafa. “Enfrentamos os inimigos do crescimento de Brasília como cidade-estado, aquela meia dúzia de pessoas que sempre se sentiram donos da capital federal e nada fizeram por ela. Agora, já estamos mostrando a cara do nosso governo”.
Em meio a manobras para acuar dragões e desmontar bombas de efeito retardado, como podem ser vistas as garantias de aumentos em cascata ao funcionalismo público concedidos em administrações anteriores, com vencimento este ano, o que se tem é um Agnelo que começa a dar seus primeiros passos além do caos. Pessoalmente, ele já inaugurou 13 novos centros de saúde em Brasília e seu entorno. Um a um, nos grandes hospitais públicos, ampliações e reformas vão sendo feitas. O governador, que é médico, as têm na ponta da língua: “Estamos fazendo a impermeabilização de todo o HRAN, terminamos com as goteiras que existiam em pleno centro cirúrgico do hospital do Gama, acabamos com o mofo no berçário do hospital de Tabatinga, construímos um pronto-socorro em Planaltina em apenas quatro meses e meio, ampliamos o hospital de Base em mais dois andares, entregamos um hospital infantil, acabamos com a epidemia de piolhos no hospital da Ceilândia, contratamos 4,5 mil profissionais de saúde para melhorar o atendimento em todos os planos e estamos em pleno andamento de um programa de cirurgia bariátrica integrada a cirurgia plástica que é inédito no Brasil”, enumera.
Até o final do ano, em suas contas, a fila de 300 mulheres brasilienses à espera de procedimentos de reconstituição da mama estará zerada, graças a iniciativas como mutirões em parceria com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. “A partir de 2013, Brasília vai estar em condições nesta área de emprestar seu know how e seus profissionais para outros Estados brasileiros que quiserem seguir nosso programa”, vibra o governador.
REAJUSTES ZERO
Agnelo explica que determinou a suspensão, até o final do ano, de novos reajustes e aumentos salariais para o funcionalismo em razão dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Apenas no ano passado, por conta de contratações feitas no ano eleitoral de 2010, nada menos que 10 mil novos funcionários públicos entraram para a folha de pagamento do GDF. Esse contigente, somado a aumentos concedidos anteriormente e com índices a serem pagos este ano, fez com que o porcentual do orçamento usado na folha de salários saltasse para exatos 46,1%, extremamente próximo do teto de 46,5% imposto pela LRF. O rompimento dessa barreira implicaria em nova situação de restrição de crédito e impedimento de financiamentos. “Seria andar para trás”, resume. Para não voltar ao passado, o GDF resolveu promover uma série de compensações a diferentes categorias, como forma de mostrar que está falando sério no sentido de inaugurar uma relação de novo tipo, para melhor. O exemplo procurou ser dado por cima: o govenador cortou em dez por cento o próprio salário e, ainda, o de todo o primeiro escalão da administração. “Foi na carne”, pontua.
A nova política salarial de reajuste zero teve seu primeiro teste com os servidores da área de segurança pública. “Não podemos dar aumento, mas recuperamos a capacidade de investir no setor”, explica. “Estamos reequipando a polícia com a compra de 600 veículos novos e mais equipamentos para o trabalho nas ruas”, inicia. “Para os bombeiros, compramos dois aviões para o combate a incêndios nas reservas do entorno da cidade e caminhões americanos, considerados os mais modernos do mundo, para o ataque a incêndios urbanos. O material de segurança pessoal também foi renovado. Ao pessoal todo, aceleramos uma série de promoções como forma de melhorar o nível de ganhos sem ter de conceder reajustes”. O governador está seguro de que sua mensagem, nessa área, foi compreendida. “O pessoal da segurança entendeu que nosso trabalho é sério e está conosco no esforço de saneamento de Brasília”.
A mesma compreensão, porém, ele não vê em relação aos líderes sindicais do professorado. Nas contas de Agnelo, o GDF concedeu à categoria, no ano passado, aumentos equivalentes a duas vezes a inflação: 13,83%. “Agora, era o momento de eles entenderem que simplesmente não podemos dar mais nada além do que já está acordado, mas em lugar disso preferiu-se, na primeira assembleia do ano, puxar uma greve”, irrita-se. Apesar disso, o governador não se diz de todo magoado. Na sua avaliação, o movimento faz água. “A adesão a essa greve é de cerca de trinta por cento da categoria, o que mostra que o entendimento da base é diferente do da cúpula”. Antes de enfrentar novo tema, relembra que sua administração investiu R$ 300 milhões no setor no ano passado. "Quanto a nós, não estamos de braços de cruzados".
DEZ ÔNIBUS QUEBRADOS POR DIA
Os gestos do governador se ampliam e aceleram quando ele toca no tema dos transportes. “Há dias em que dez ônibus quebram nessa cidade”, contabiliza. “Isso é resultado de uma frota com veículos com até 20 anos de uso, um descaso explícito, uma exploração indevida sobre o povo”, prossegue. A licitação aberta para remontar o sistema de transporte coletivo de Brasília, ele acredita, dará uma nova face para seu governo. “Iremos contratar, nesse processo, cinco novas companhias, que terão o compromisso de colocar ônibus novos e praticar tarifas justas”, diz ele. “O duopólio atual vai acabar. Nenhuma empresa, sozinha, terá mais de vinte por cento do setor de transporte público de Brasília”, demarca. As propostas de participação podem chegar até o dia 18 de abril ao governo, com a abertura das propostas marcada para o dia 10 de julho. “Daí para a frente, com o setor renovado, vamos avançar consistentemente nesta área”.
Agnelo calcula completar seu plano para o transporte público com a construção, até 2014, de mais seis quilômetros de metrô – quatro de superfície e dois subterrâneos. As antigas e novas estações estarão conectadas por ônibus articulados e biarticulados, que transitarão em faixas exclusivas, monitorados por GPS e dentro de um sistema de bacias, no qual as rotas são menores e as frequências, maiores. “Pensamos o novo sistema do ponto de vista do usuário e não apenas das empresas que irão prestar o serviço”, garante o governador. “Desse jeito, Brasília vai fluir outra vez. A continuarmos na marcha de emplacamento de 100 mil carros por ano, essa cidade estará parada, completamente, dentro de nove anos. Só um sistema moderno de transporte coletivo pode fazer frente a essa ameaça”.
REGULARIZAÇÃO DE LOTES
Disposto a aumentar o alcance do programa de orçamento participativo, no qual as comunidades definem as prioridades de investimentos, Agnelo sonha alto. “Minha missão é erradicar a miséria absoluta entre a população de Brasília”, enfatiza. Esse combate, além dos programas de renda mínima, passa, nos planos do governador, por uma ampla regularização fundiária. “Estamos regularizando lotes irregulares e condomínios inteiros”, acentua. “Isso vai ser bom para quem hoje vive numa situação de insegurança jurídica e para as finanças públicas, que passarão a receber impostos hoje não recolhidos”. Sem meias palavras, Agnelo lembra que Brasília abriga a segunda maior favela do Brasil, menor apenas que a da Rocinha, no Rio de Janeiro. “A Sol Nascente e a Por do Sol formam um aglomerado de problemas que estamos atacando um a um. Lá não havia nada de serviço público, mas estamos levando, como saneamento, iluminação, saúde e outras melhorias. Na condição em que está, aquilo vai acabar”.
ANALFABETISMO ZERO
No campo eminentemente social, o governador assinalou a determinação, feita no ano passado, de unificação dos antigos quatro cadastros de pessoas beneficiadas por programas sociais. Agora com uma lista revisada e única, aumentou a contrapartida do Distrito Federal nos programas de transferência de renda realizados em parceria com o governo federal. Noventa e três mil pessoas, segundo o governador, já fazem parte de um programa de renda mínima de R$ 100 mensais. Esse valor aumenta à medida em que a mãe beneficiada matricula filhos na escola e, ela próprio ou o marido, participa de programas de alfabetização. Na matemática de Agnelo, Brasília tem 4% de analfabetos entre a sua população, cerca de 65 mil pessoas. Ele promete: “Até o final do meu governo, também vamos zerar essa conta. Esta cidade será humanizada no sentido mais amplo desse termo”.
PRIORIDADE PARA A COPA
Um sorriso aparece na face do governador quando o tema passa a ser a Copa de 2014 e o estádio de Brasília, cujas obras estão a pleno. “O estádio é o centro de uma nova visão para a cidade, que tem o turismo e o entretenimento como duas de suas maiores vocações”, afirma. “Desde o início, sabíamos que cumprir os cronogramas de obras da Copa seria um ponto de honra, uma forma de mostrar que, aqui, sabemos o quanto este evento pode significar em termos de exposição positiva para a nossa cidade”.
ATMOSFERA E PRESSÃO
Ok, o discurso de Agnelo Queiroz tem muito de projeções, mas não se pode dizer que ele e sua equipe estejam jogando para a plateia. Os resultados da reorganização dos bastidores da administração do GDF já começam a ter visibilidade a olho nu, com a recuperação da capacidade de obter financiamentos e a entrada no azul das contas públicas, após dois anos seguidos de déficits. Se o plano vai dar certo do primeiro ao quinto, como se diz popularmente, isso vai depender das condições de atmosfera e pressão da política local. “Ampliamos nossa base de apoio para 18 partidos”, diz o governador. “Acho que isso já é resultado de reconhecimento”. Mesmo temporariamente recolhidos, porém, os dragões ainda estão soltos lá fora. “Recusei-me a me tornar sócio do atraso que eles sempre impuseram à Brasília”, crava. “Eu quero ir e irei em frente”. Detalhe: ao citar todos os números acima, o governador não tinha consigo nenhuma anotação sequer, nem consultas fez. Com a memória em dia, ele não parece ser um sujeito que, como gostariam seus adversários, cochila em serviço. É conferir.
Fonte: Brasil.247.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário